“Não estou morta, não terminei.” É assim que Shirley Manson começa a faixa Chinese Fire Horse, um recado direto e ácido aos jornalistas que recentemente têm questionado se ela está pensando em se aposentar. A resposta é clara: nem pensar. Com o renascimento do electro-goth a todo vapor — impulsionado por nomes como The Cure, Heartworms e a provocante Bambi Thug no Eurovision — e o space-rock sintético amadurecendo com força, o Garbage mostra que ainda tem muito a dizer. Mesmo com o cancelamento da turnê de 2021 do álbum No Gods No Masters devido a uma antiga lesão no quadril que exigiu cirurgia e um longo período de recuperação, a banda segue firme e forte na linha de frente do futuro do rock.
Esse processo de reabilitação física, refletido no oitavo álbum da banda em 30 anos, resultou em uma das obras mais introspectivas e, ao mesmo tempo, combativas do Garbage. Manson explora a aceitação da fragilidade do próprio corpo, sem nunca deixar de exaltar sua força e resistência. Em Chinese Fire Horse, com sua pegada bubblegum space-rock, ela critica duramente jornalistas desvalorizados, mas ao longo dos 45 minutos do álbum, os alvos se multiplicam: ex-parceiros infiéis, regimes opressores e belicistas, ideologias cruéis e intolerantes de todas as formas.
A faixa de abertura, There’s No Future In Optimism, apesar do tom irônico no título, pinta um cenário sombrio de um mundo em colapso. Dois amantes tentam fugir de uma Los Angeles apocalíptica marcada por tumultos raciais, terremotos, helicópteros e uma força policial sufocante. Já R U Happy Now lança dardos contra a mentalidade MAGA, armamentista e misógina.
Mas nem tudo são ataques diretos. Em muitos momentos, o álbum amplia seu discurso político para abraçar o coletivo e o inclusivo. Get Out My Face AKA Bad Kitty traz Manson como a voz da resistência feminina no ambiente digital. Sisyphus, com uma mistura delicada de cordas clássicas e eletrônicos desafiadores à inteligência artificial, protege os mais vulneráveis — sejam eles negros, trans ou palestinos.
As narrativas pessoais reforçam ainda mais o impacto emocional do álbum. Hold nasce de um pedido de conexão durante o isolamento forçado após a cirurgia. Have We Met (The Void) revisita o episódio traumático de 40 anos atrás, quando a amante de seu namorado apareceu em sua porta e mergulhou sua vida em incertezas. Já The Day I Met God descreve uma experiência religiosa vivida sob o efeito de analgésicos potentes usados no pós-operatório.
Com o apoio criativo dos produtores Butch Vig, Steve Marker e Duke Erikson, Shirley Manson parece mais bem acompanhada do que nunca. O trio constrói paisagens sonoras com camadas de sintetizadores cinematográficos, realça a segurança de Manson com uma pegada inovadora de tech-rock e transforma suas confissões íntimas em um luxo cósmico. Raramente um álbum soou tão distante da realidade ordinária — e, ao mesmo tempo, tão necessário.